7/09/2009

Sangue Negro


“There Will Be Blood”, filme que aqui no Brasil foi exibido com o nome Sangue Negro, é grandiosidade do começo ao fim. Essa grandiloqüência transborda pelas amplas tomadas á céu aberto, com a aridez amarelada e captadas pela excelente fotografia, ganhadora do Oscar. Aliás trilha (de Jonny Greenwood do Radiohead) e foto tem perfeita simbiose, comungando em excelente diálogo de som e imagem. A grandiosidade não é expressa simplesmente nesses fatores técnicos, ela vem também de um ótimo roteiro. A história é baseada em “Oil”, livro de Upton Sinclair que aqui ganhou o nome de “Petróleo!”. Além de ter sido um dos grandes escritores americanos do começo do século XX, sensível as transformações cada vez mais rápidas do século nascente, Sinclair foi também um esquerdista. Dessa posição política vem uma argüição no trato do “homem comum”, dos operários e desvalidos sociais. Um traquejo de entender os que sofrem ou são feitos párias pelas mãos do Estado, ou de patrões ou do que quer que faça um ser humano explorar outro. Ele próprio de origem humilde, sofreu as agruras da pobreza e fez dessas memórias e cicatrizes material de sua obra, na mesma tradição de grandes autores como Jack London, John Steinbeck e outros.

Voltando ao filme de Paul Thomas Anderson, “There Will Be Blood” o título, funciona meio que um alerta nostradâmico, um aviso do que virá á baila da ganância humana. O sangue negro jorra de terras áridas, pertencentes a pessoas tão áridas quanto, seja de sua miséria ou desesperança. O sangue vermelho também dá as caras misturado ao óleo, com a lama das perfurações como uma metáfora da tragédia e do aceleramento das transformações humanas no tempo. É a jornada de Henry Plainview ex mineiro de prata e seu filho HW.As duas personagens personificam a luta para fugir da miséria econômica e seu encontro com a miséria moral. Daniel Day-Lewis faz jus ao Oscar (se é que essa premiação significa alguma coisa) mas em seu couro e carne, o personagem se torna real, sarcástico, cínico, psicótico e com um punhado de outras características bem humanas, ainda que prevaleçam justamente as mais condenáveis. O ator tem seus méritos obviamente. Porém, creio que a literatura de Sinclair conseguiu romper a barreira limitadora de uma composição carregada de um tipo de crítica, compondo personagens mais que bidimensionais, mais profundos e elaborados em complexidade de psiquê, dando base a Day-Lewis para compor uma interpretação cheia de trejeitos e maneirismos. Um homem que é a cara de uma época e lugar. Que quando chora nos põe em dúvida se por perdas sentimentais ou financeiras. E fazendo jus ao seu nome, que tem a “visão plana”, de farejar e maquinar em prol de seus objetivos.

Outro grande destaque do filme é Paul Danno que por boa parte do filme interpreta o jovem pastor Eli Sunday. Sua primeira aparição é como o irmão gêmeo Paul, que deixa a família para tentar a sorte noutro lugar. A narrativa leva Henry Plainview, para essa localidade remota da Califórnia, numa corrida contra concorrentes, atravessadores e falsários. À partir da entrada de Eli o filme desenvolve (pelo menos a meu ver) algumas discretas metáforas sobre o sagrado, sobre a fortuna e a perdição. Impressionante como numa cena de um dos cultos de Eli, a voz elevada, catártica de sua audiência repete uma frase, para que nós ( a verdadeira audiência) saquemos o trocadilho dos nomes. Beirando a histeria se ouve: “It´s Eli! It´s Eli!”, que me perdoe se erro, mas soa “It´s a lie” (É uma mentira). A narrativa também cínica, coloca um rebanho que julga sem consciência seu pastor.

Paul Thomas Anderson marca aqui um grande ponto em sua carreira. Se muita gente lembrava-se dele apenas por “Magnólia” (o primo mais novo de “Short Cuts” de Altmann), agora terá um obra maior como referência. Sua marca esta presente no conflito de pessoas, que parecem escapar dos fios do destino, mas mesmo assim, ficam soltas e perdidas no mundo imenso que parece não dar conta dessa existência. Mesmo que erre ele cumpre uma função interessante, de produzir boas histórias, muitas vezes com um refinamento grande de roteiro e desenvolvimento de personagens (seja uma exército deles como em “Magnólia” ou mais econômico como em “Sangue Negro”), mostrando que é possível no cinema americano lidar com tempos e locais distantes, de uma forma minimamente verossímil. Ainda mais, que uma fábula moderna pode dizer muito sobre o povo que representa, e ser universal em mostrar talvez qualidades tão humanas quanto o amor, a virtude, embrulhadas em cobiça, mentiras e competição.


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