10/05/2009

Huxley, Dostoiévski e o meu mundo


Pela terceira vez, li o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Porém, a leitura teve frescor de nova. Não o lia fazia já uns bons 7 anos. Lembro quando peguei o livro na mão a primeira vez, no caminho óbvio pós-1984. Li este, e na sequência, outro clássico distópico: Neuromancer, de Wiliam Gibson.

Mas agora, as referências são outras. Livros bons são mágicos, eles se transformam, dada a nosso própria transformação. Ao olhar o mundo diferente, li o livro de maneira diferente.

A experiência de ler (e reler) Admirável Mundo Novo continua sendo atemorizante. De alguma maneira, diferente de 1984, Admirável Mundo Novo é um livro para ser lido um pouco mais velho, e não na adolescência. A razão disso está na percepção de que Huxley aponta os efeitos da massificação como questão principal do seu argumento, sendo que este é também o ponto central em nossa sociedade pós-industrial. Bingo! Esta é, talvez, a sacada máxima de Huxley: as democracias populares podem ser tão bem dirigidas e a liberdade pode ser tão completamente cerceada quanto o são modelos Fascistas.

O livro, para aqueles poucos que não conhecem, tem dois momentos específicos: um, em que acompanhamos Bernard: sujeito de alta casta na sociedade retratada no livro, mas que tem profundas duvidas quanto ao seu potencial. Sendo da casta mais alta, em uma sociedade completamente ordenada por este princípio, este caráter vacilante torna seu personagem um anti-herói. Sua personalidade é, em muitos momentos, pouco atraente. Durante a leitura, não existe empatia, pois a não conformidade de Bernard não está na rebeldia, mas sim em uma certa incompetência. O momento seguinte do livro se concentra em John, ou O Selvagem. Sujeito rejeitado tanto em seu grupo original, quanto na civilização, para a qual é arrastado por Bernard.

A dicotomia 1984/ Admirável Mundo Novo foi a tona durante minhas primeiras leituras. Era o embate entre o poder que domina pelo medo e pelo terror e aquele que domina pelo prazer e pelo condicionamento que dirigia meu olhar. Observar os diálogos, as posições e as referências a Shakespeare nos diálogos entre Bernard, John, Mustafá Mond, Lenina e Helmholtz estavam sempre, de alguma maneira condicionados a temática prazer/ medo, terror/ condicionamento.

Mas agora foi diferente: Huxley dialogou não com Orwell, mas com Dostoiévski e seu Crime e Castigo. E aqui, saindo do óbvio, acho que estamos mais próximos de um entendimento mais amplo de Huxley e de sua obra.

John e Raskólnikov vivem a mesma experiência: ambos se deparam - cada um por suas razões - a uma sociedade a qual não podem conviver. Cada um cria, dentro do seu (in)conciente, uma formulação própria a respeito do mundo que o rejeita. Ambos cometem um crime hediondo e ambos encontram a culpa e a vergonha. Cada um a sua maneira, procura um refúgio seguro. Um lugar de redenção.

Dostoiévski e seu cristianismo punem Raskólnikov com a Sibéria. Mas lá, este encontra o afago suave do perdão, e a oportunidade de poder olhar para sí mesmo renovado, em pé. A superação no sofrimento. A lição do tio Dostô é seu cristianismo otimista.

Huxley por sua vez, coloca John refugiado em seu próprio mundo, em sua solidão. Mas ao invés da redenção, John torna-se um freak. Afinal de contas, numa sociedade perfeita, organizada, e baseada no prazer, qual o lugar da dor? Como lidamos com o desgosto? Com a vergonha? Como nossa sociedade lida com as mesmas questões? Qual a resposta que encontramos?

Raskólnikov e John se automutilam, se apartam, correm para dentro de sí. Raskólnikov encontra o perdão. John encontra a espetacularização. Seu perdão não está aqui, mas apenas fora de sí. John acredita em Deus, mas não acredita em Jesus. Dostoiévski acredita em Jesus. e ponto. Huxley inverte Raskólnikov. Ao inverte-lo, só lhe resta a corda. Orwell acertou na União Soviética e na Alemanha Fascista. Huxley viu mais longe: viu no ontem o agora.

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