12/13/2009

Meu Parque de Diversões, ou, como larguei o vegetarianismo


Estou tentando aprender a cozinhar. Nada profissional; talvez até um hobby. Tenho gostado de estudar o assunto. De sentir o aroma, a textura e o sabor dos alimentos. Tenho prestado mais atenção, e sendo assim, tenho me tornado mais crítico e mais exigente com relação ao que como. Não com relação a um “virtual” refino no que se refere a comida, mas sim com relação a sua qualidade. A melhor comida é a comida simples e honesta. Feita com cuidado e carinho. E geralmente, com 5 ou 6 ingredientes. Ou menos. Acho que é aí que reside o que de melhor existe na gastronomia.
Conhecia Anthony Bourdain da televisão. Seu programa “Sem Reservas” já tinha feito minha cabeça antes mesmo de eu saber o que era “Queijo Feta”. Sua abordagem visceral da alimentação sempre chamou minha atenção. Em sua visita à São Paulo, Bourdain comeu Lanche de Mortadela, Hot-Dog de rua, Pão na Chapa com café na padaria e feijoada. Essa é a comida real. A comida que “nós” comemos no nosso dia-à-dia. Aquela mágica que une à comida à sociedade. E essa era a marca do seu programa: a comida unida às pessoas, como parte fundamental de suas vidas.
Em Cozinha Confidencial (livro lançado aqui pela Cia. das Letras), Bourdain une a comida ao cozinheiro. Com uma série de histórias e casos, Bourdain coloca o ato de trabalhar com comida não no campo de fetiche ou da alta cultura, mas no campo do prazer. Ao se afastar do tabu do “requinte” (ou não é verdade que quando imaginamos um chef de cozinha pensamos também no glamour de sua profissão?) Bourdain revela a verdadeira natureza da sua profissão. A associação da comida ao prazer acaba por atraí-la ao campo dos outsiders. A busca pelo prazer humano quase sempre esteve relacionada a formas de comportamento desviantes, como as drogas, o alcool, ao perigo, a marginalidade ou a não ortodoxia.
Cozinha Confidencial é, neste sentido, um choque. O cara que prepara uma refeição de quase 100 pratas é muito provavelmente uma quase marginal, usuário recorrente de drogas e costumas consumidor de alcoól. Essa realidade se embate com uma profissão que tem em sua vitrine principal uma aura que eclipsa um cotidiano de trabalho diário extremamente caótico e estressante.
Mas é aí que Bourdain revela sua originalidade, se aproximando de um Charles Bukowski de avental. O sexo, o exagero, a grosseria e o absurdo são recorrentes neste ambiente: o sangue, as queimaduras, a morte. Está tudo lá, na cozinha. No livro, a comida é seu o ator fundamental. É o núcleo de toda uma galáxia que gira ao seu redor.
E aí entra uma pequena história pessoal. Fui vegetariano por mais de 6 anos. Durante este período não ingeri qualquer tipo de carne, e, pouquíssimas vezes, ovos e derivados. Era uma escolha política, e completamente não relacionada à saúde. E vivi bem assim, até surgir meu interesse pela culinária.
Nunca fui fã da “comida vegetariana”: claro, existem ótimas receitas, ótimos restaurantes e ótimos cozinheiros vegetarianos. Mas a mim, aquilo nunca me chamou a atenção. Sempre que saia de casa para comer fora, dava preferência absoluta a restaurantes “normais”, ou seja, aqueles que todos comem, e não apenas um pequeno grupo de iniciados. Sempre busquei pratos que se adaptassem às minhas restrições e quase sempre os encontrava. Ao comprar livros de receitas, dava atenção `aqueles de cozinhas regionais reais, e não aos especialmente feitos aos “vegetarianos”. Se é para aprender, quero aprender a “coisa real”. A cozinha do cotidiano. Aquela que tem história e tradição, e não essa coisa recentemente inventada que é a culinária vegetariana. Sempre pensei assim pois vejo o ato de comer como celebração social, onde as pessoas se reúnem para comer pois esse é um meio que construímos para celebrar-mos a convivência de um grupo. Sendo assim, ao cozinhar, não posso "exigir" de meus convidados a filiação a um grupo - que muitas vezes, graças à horizonte intelectual reduzido de alguns vegetarianos, torna-se quase uma seita.
Bourdain execra os vegetarianos e seu argumento é simples. Seu corpo não é um templo, é um parque de diversões. A busca pelo prazer não está só no fim, mas em especial, no trajeto do processo. É a descoberta que torna tudo mais interessante. É o ato de experimentar que move nossos medos e preconceitos um pouco mais longe.
E, como sugere um dos capítulos do livro já citado, comida é sexo. Comer é prazer. Comer é um ato de selvageria. Sim, é verdade, civilizamos esse ato, mas o processo ainda é o mesmo. Nossa animalidade está alí presente. Exatamente como no sexo e no êxtase.
Restringir o prazer é cercear a experiência. E nesse momento, eu as quero em maior número possível.

Ps: Como bônus, coloco aqui dois programas de Anthony Bourdain que gosto muito: o primeiro é sobre sua visita ao Brasil; e o segundo, sobre sua visita ao Líbano. Os dois muito interessantes!




4 comentários:

  1. Só queria saber onde entra o sanduíche de mortadela do Mercado Municipal que você comeu comigo, oficializando assim o fim do seu vegetarianismo?

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  2. Muito bom texto, principalmente por colocar as coisas no plano pessoal e da sua vontade. Por que as coisas devem ser assim né. O que te agrada, o que te atrai, o que te dá vontade de fazer. A grande maioria desses cucas-televisivos apresenta um preconceito quase xiita com o vegetarianismo, parte disso graças também a uma porção de vegetarianos cabaços que andam por aí. Acham que não existe prazer, que somos acetas, que nao existe gosto, tesao. E quando colocam as coisas nesses patamares parecem os idiotas que não entendem por que você não bebe,por que não fuma, por que você faz escolhas que te fazem bem e te agradam, do mesmo jeito que você tem com sua comida.

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  3. Ainda não tinha lido o texto, por isso vou me pronunciar a respeito só agora. O texto está muito bem escrito, como de costume, mas é preciso deixar alguns pontos mais claros. Em primeiro lugar a concepção de prazer não é única, deste modo, não podemos trata-lá como uma substância que uns se permitem sentir e outros não. Tem gente que sente prazer apanhando, batendo, ficando pendurado por ganchos cravados nas costas, etc. Até mesmo quando falamos em drogas, a busca por prazer está totalmente relacionada com o seu "estado de espírito" porque se você cheirar cocaína sem estar bem consigo mesmo, provavelmente entrará numa bad trip. A comida está totalmente relacionada com o prazer, mas do mesmo modo que é extremamente imbecil achar que só há prazer quando não se come carne (coisas ligadas a saúde), é também uma imbecilidade achar que o prazer só pode ser encontrado no consumo da carne (o prazer do paladar). A máxima de alguns autores "pós-modernos" que colocam a busca pelo prazer como algo essêncial e sem limites, pode ser contraposta a máxima freudiana na qual o prazer sem limites leva a morte, sendo assim, mesmo o parque de diversões precisa fechar para alguns reparos as vezes ou dá game over!
    Acho que a melhor argumentação não deve estar ancorada na busca pelo prazer, mas sim numa idéia simples que consiste em fazer da sua vida o que você quiser, porque ninguém tem nada a ver com isso!

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  4. Acho que por isso tenho dificuldade em deixar de comer peixe, porque é quase orgástico. Mas... concordo com o Viny que se não é uma questão de saúde, não é também só de prazer.

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