3/19/2010

Branco e Vermelho


Era segunda-feira e André tinha certeza: Marta o havia traído. Sabia disso pelas duas piscadelas daqueles olhos cor de mel sempre que ela ouvia o nome de Jorge. Marta não sabia mentir, e para não ouvir a confirmação de sua própria boca, André nunca perguntou. Mas já havia sentenciado: Jorge ia morrer nesta manhã.
Ele deu um longo gole do café quente. Sentia o cheiro de sangue e carne das roupas sujas que havia deixado ali pelo chão. Tinha trabalhado no açougue o domingo todo, cortando e desossando grandes pedaços de carne vermelha. Mas mesmo cansado, não dormiu. Deitado naquela noite quente de janeiro, tentou reconstruir todo o cenário: quando Marta teria conhecido Jorge? Quando teriam trepado pela primeira vez? Quando Marta começou a piscar duas vezes os olhinhos cor de mel? Mas não adiantou. A memória lhe traiu. Todas as lembranças lhe pareciam inventadas e todas lhe pareciam suspeitas.
Jorge secou a boca com a manga da camisa. Sentado na cadeira, com o sol vermelho da manhã lhe batendo no rosto, viu Marta deitada no sofá. Ela adormeceu vendo televisão e tomando o quarto da garrafa de pinga que André tinha deixado atrás da porta. Seu cabelo lhe cobria o rosto e seus dedos tocavam o chão de taco amarelo. O bico do seu seio despontava para fora do decote da regata velha. André cuspiu e se levantou. Eram 6 horas. Precisava ir.
No balançar do trem lotado, perdido no próprio ciúme,, André viu, de olhos fechados, Marta e Jorge. Viu o desejo nos olhos de um e de outro. Viu o sexo sujo, imundo, delicioso. E, no momento onde aquele êxtase explodia e terminava num grito sufocado, André despertou. Sentiu a camisa branca grudar-lhe no suor das costas. Olhou confuso pela janela, buscando alguma paisagem familiar. Reconheceu o trem abandonado e os quatro prédios idênticos com sua pintura em forma de cruz. Descia na próxima estação.
Caminhou todo o trajeto de olhos semicerrados. O sol já lhe castigava a face negra. Naquela manhã não ouviu a sirene da ambulância, não ouviu o latido do cão, não ouviu o choro da menina de vestido rosa. Levantou o rosto e virou a esquerda. Leu do outro lado da rua o letreiro vermelho e verde do açougue.
Estavam todos lá, era dia de entrega, e o caminhão estava parado ali na frente. André entrou seco, sem falar com absolutamente ninguém e correu para a escada. Vestiu seu avental branco, as botas de plástico e as luvas. Pegou a longa faca afiada no balcão. Conferiu o fio com a ponta do dedo grosso. Um rastro de sangue se misturou as manchas do chão. Quando olhou para frente, viu Jorge, que carregava um grande pedaço de carne nas costas. Jorge parou e ficou: mal deu tempo de ver, nos olhos de André, o vermelho vivo do ódio, que correu em sua direção e lhe enfiou a faca no estômago. Jorge soltou um grito horripilante. André segurou a faca com toda a força, e deu um longo tranco para cima. A lâmina rasgou a carne de Jorge até a costela. Por um instante, Jorge ainda ficou em pé: sangue e vísceras lhe escapavam pelo rombo feito a faca. Apenas por um segundo para depois cair de uma vez. André lhe abriu o olho direito e o fitou. A vida acabara naquele instante para Jorge.
Ainda naquela tarde, Marta foi ao açougue, mas viu só um dos dois homens que amava.

Aperto de botão: Thiago Zati

Nenhum comentário:

Postar um comentário