7/30/2009

Emicida - "Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que eu cheguei longe..."


Posts atrás comentei sobre a renovação do hip-hop ao assistir a apresentação de Slim Rimografia. Viny meu parceiro aqui no blog, de ouvido, olhos e dedos ligeiros postou aqui um comentário apontando para a mixtape de EMICIDA. Pois bem, até então eu não tinha conseguido o disco. Nesse meio tempo assisti o documentário de Pedro Gomes que se chama “Freestyle – Um Estilo de Vida”. Como foi em um evento especial onde rolou um debate tive oportunidade de conversar com o Pedro por um tempão. O papo em si foi gratificante pelas idéias, mas ele mesmo me alertou “Ouça EMICIDA”.

Agora estou aqui na frente do computador, sem saber por onde começar. Falar de um grande disco é assim, muito a dizer, sem saber por onde. Eu não sou crítico de música e nem tenho pretensão de ser. O que nos propomos aqui nesse blog/revista é pensar, divulgar e falar da arte em geral da forma como nos convém, sem rabos presos ou jabás. E principalmente expor o que temos contato, seja do subterrâneo ou de quem já é conhecido. Prefiro falar o que sinto ao ouvir e pensar sobre esse play. As referências, os sinais, colocados espertamente entre os versos e rimas me causam familiaridade, justamente por eu ter origem e boa parte da minha vida na periferia. Por outro lado, ele pode facilmente ser absorvido por quem não tenha essa base e origem. O apuro de composição das rimas de EMICIDA, foi treinado e forjado nas ruas. Prova disso está não só nas inúmeras vitórias em batalhas e campeonatos de MC´s, mas é narrada durante as músicas. O universo literário, a poética do disco em si (se é que posso usar essas expressões) é formidável pois conecta referências tão inusitadas como histórias em quadrinhos, filosofia oriental, telenovelas, Eisenstein, com o mundo urbano, das periferias e ruas de São Paulo. Entre muitas outras. Isso mostra um grau não só de improvisação que vem no treino de tantas batalhas, mas em um tipo de “absorção” de conhecimentos múltiplos a serviço de uma personagem.

A “personagem” EMICIDA, não é uma simples criação, mas a personificação musical da pessoa do Leandro, “filho de Dona Jacira” . O rapaz é herdeiro dos grandes trovadores negros da música brasileira. Que vem de uma linha hereditária que tem Cartola e Jamelão. Que os pesquisadores e entusiastas da mpb queiram me crucificar ao ler isso, mas do mesmo jeito que esses pilares do nosso samba fizeram, o rapaz da zona do norte de São Paulo faz o mesmo: canta a vida. Ela perpassa as mais de 20 faixas do disco, e não é numa audição simples que isso virá. É algo que se percebe e invade os pensamentos vez após vez, a cada nova audição. Atrás do extenso título do disco, está a mãe, o primo, a rua, faixa por faixa organizada, em blocos que parecem refletir o humor e sentimentos do MC. Em certo momento o disco está raivoso, militante, crendo na força da música como mensagem, como uma nítida retomada do hip hop paulista dos anos 80. Noutro mais intimista, aparecem mulher, passado, a paternidade, as amizades, a saudade na distância, o quotidiano (até com o processo de composição do disco), e uma profunda e afiada reflexão acerca da realidade. Essa última impulsiona uma noção bem amadurecida de “lugar-espaço” e de não ilusão com a indústria da música.

Considerando que os meios de gravação e divulgação estão totalmente descentralizados e domésticos, nada mais justo que um rapper da periferia de São Paulo, com argüição de discurso e muita disposição lance um disco de tamanha qualidade técnica e conteúdo nas letras. Algo que podemos pensar é que EMICIDA também é fruto de seu tempo e também das transformações no fazer música nesse século. Mesmo que com talento de composição, tocando violão com boa voz, compondo lindos sambas, um homem da favela no Rio dependeria do contato com alguém do “asfalto” para seguir adiante á uns 40 anos. No bom sentido disso tudo, isso nunca mais se repetirá. EMICIDA não só é prova viva disso, por produzir e distribuir os próprios discos de uma forma a dar uma aula de “faça-você-mesmo” a muito punk-rocker, como também através disso dá novo fôlego ao rap, pelo qual é nitidamente apaixonado.

“A Rua é Nóis” não é um bordão vazio. É um lema que agrega idéias, companheirismo e esperança de ideais. É o engajamento no rap-mensagem. Como crítica de transformação social, que se faz num balanço filosófico e atento ao passado, não só nas origens individuais como na história da cultura negra brasileira. EMICIDA canta que “Jesus perdoou demais e morreu, lampião perdoou demais e morreu”, dessa forma ele reabilita o malandro, o “cara ligeiro” que existe nos discos do Racionais MCs e foi muito mau interpretado dentro e fora do hip-hop. Não se precisa matar, ter, roubar ou ficar muito louco para ser malandro, e usando uma frase do próprio Brown “malandragem de verdade é viver”. Ele quebra o tempo das rimas, das frases, intercala com rimas de “português errado”, mas que são genuinamente das ruas. E dá o seu recado em faixas simples e curtas, algumas de menos de dois minutos.

O que posso falar agora é que esse disco é uma preciosidade. Na minha humilde opinião, promove uma revolução muito bem orquestrada pela periferia, se valendo de algo que não se pode mais ter controle para disseminar idéias: a Internet. Bom, acho que eu poderia continuar escrevendo muito, mas seria repetitivo de minha parte e desnecessário. No fim das contas o que resolve todo esse tempo que fico aqui esmurrando o teclado é a frase do Pedro Gomes: “Ouça EMICIDA”.

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