7/20/2009

Objetiva e obturador - Pequeno manuscrito de viagem


Olhando do alpendre pintado todo de lilás, eu tento ver uma certa relatividade no passar do tempo que só é possível de ser vista em momentos como este. Aquele incessante tic-tac do relógio aqui parece alcançar um ritmo diferente, um outro som. Tudo é mais lento, quase fugaz. Nenhum carro, nenhum barulho.



De repente, uma criança. Passa. O som de um existir que quase não existe na velocidade. O boteco na esquina continua cheio. Homens, apenas. Uma, duas, três cervejas. Uma cachaça. Duas. O mercado vazio. A menina da venda da esquina com um vestido vermelho. As prateleiras e seus produtos enfileirados. A mercearia. A igreja e a praça, onipresentes. O ponto de ônibus e seu banco. A tinta que descasca e a mancha de água-ferrugem que desce da parede. A rua e seus hexágonos de pedra que formam, em seu indistinto encaixe, o serpentear das ruas e suas quadras.



Estar no interior é uma experiência quase surreal. Para mim, acostumados com o ritmo frenético das grandes cidades, estar longe de casa pode significar simultaneamente o paraíso e o inferno. Viver em câmera lenta é algo que não estou acostumado. Enfrentar horas de “não fazer” é agonizante. Viver a incerteza da certeza de nada acontecer é frustrante. Sinto algo como um comichão. Uma coceira. Tenho que fazer alguma coisa. Acho que é isso. É muito difícil assumir para si mesmo que não a nada o que fazer, apenas a espera. Lembro de Godot.


O que me restou nesta quase uma semana foi o registro. A fotografia ocupou estes dias. E pela objetiva, busquei este movimento, ou melhor, este “quase-movimento”. É nesta ausência que procurei montar estas imagens. Tentar transformar esta percepção em imagens foi meu passatempo. Passatempo, sem qualquer intenção artística ou profissional.


Mas esta questão aliou-se a outra, um pouco mais profunda. A da memória afetiva. Estar aqui é de certa maneira me reencontrar com a infância perdida, ou melhor, esquecida. Estive aqui por alguns momentos, e estas memórias continuam presentes. Porém, ela existe enquanto um distanciamento, como uma memória que está presente em minha mente, mas que parece pertencer a outro alguém, que já não mais existe. É aqui que percebo a minha percepção de tempo, e sinto o peso dos dez anos transcorridos desde a última vez que estive aqui. Assim, quase que consigo ver este meu tempo: definido e certo, com começo e meio, com passado e presente. Não há qualquer traço de relatividade metafísica, mas apenas a sensação de o que passou pode ser resumido em um suspiro. E toda minha história, que em alguns momentos foi vivida aqui, pode ser transformada em um lampejo de meio segundo.


O lugar em questão é a cidade de Joaquim Távora, cidade no norte do Estado do Paraná, lugar onde minha mãe nasceu e viveu até a adolescência.
Esta questão confundiu-se a outra de ordem técnica: para as fotografias, eu podia escolher entre uma máquina digital, e outra analógica. A digital me permitia a rapidez, a experimentação. Com a analógica, eu tinha a escolha, um instante, um momento. E aqui os meios se colocam enquanto dois lados de uma mesma moeda, mas que criam perspectivas totalmente opostas quanto a abordagem.


Nesta brincadeira, uma coisa tornou-se certa para mim: o registro do tempo é uma tarefa árdua. Mais ainda, a busca por um ponto comum entre o tempo deste existir (o tempo deste coletivo, que forma aquilo que chamamos de história), e o meu tempo particular (da minha vivência e da minha memória) tornou-se o meu enigma. E eu, no meu amadorismo, encarei este problema de maneira consciente só depois que apertei o obturador, e vejo as imagens no computador e no filme.


Apontar e ajustar o foco, capturar um momento, e transformar este instante em algo que tenha significado para um referencial de um amplo espectro de tempo e ao mesmo tempo para mim pareceu impossível. Mas de alguma maneira, alcancei um resultado. E é neste que busco algum sentido. O final está em aberto.


Aperto de botão e texto: Thiago Zati

2 comentários:

  1. Gostei do texto e das fotos!
    Ter estado lá com vc faz eu ter uma percepção além das palavras escritas por vc neste texto. Vivenciar uma experiência é sempre diferente de só lê-la.
    Parabéns pelo texto!
    Ju.

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  2. É perfeita a sintonia e coesão do texto com as fotos. Um complementa o outro, nos levando a esta cidadezinha e até as nossas próprias lembranças infantis, que tem sempre esse cheiro poeirento de cidadezinha pequena, mesmo quando esta, fora vivenciada numa grande capital. Nostalgia... muita. Em mim, talvez porque eu também tenha passado parte da minha infância no interior. Vai saber?! Adorei!

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