Saí do cinema e pensei: isso é possível? Um professor, hoje, num país como o Brasil, que teve, como a Alemanha, a experiência com um governo autocrático (de uma maneira bastante diferente, que fique bem claro) teria a possibilidade de criar tal percepção em uma sala de aula? Estes o tomariam por líder, se assumiriam enquanto um grupo único e fechado e se aglomerariam em torno de algumas idéias como união, força e disciplina?
Com esta pergunta, fui a escola disposto a ver qual é que era a real. E no meio do debate com os alunos, percebi como “A Onda” era um filme anacrônico. Jamais aquilo que aconteceu no final de 1968 nos Estados Unidos - e foi recriado na Berlim contemporânea - poderia acontecer. Não poderia, simplesmente, porque a internet mudou a sociedade. E esta resposta também tem sua dualidade, para o bem e para o mal.
O lado positivo, e talvez, o maior ganho no que se refere a educação política, mesmo que esta não seja percebida enquanto tal, é a idéia de autonomia. Os jovens de hoje jamais seguiriam qualquer tipo de liderança de maneira tão simplista: isto porque nada que alguém diga pode soar tão interessante: em nossa sociedade, o “eu” é que possa a ordenar suas próprias prioridades, podendo buscá-las como e quando quiser.
A internet é uma ferramenta mágica, pois ela cria um mundo onde todos criamos conteúdo, e sendo assim, a idéia de “autoridade”, ou seja, aquele poder que cria uma relação de legitimidade, é perdida, ou melhor, pulverizada. Quem é o especialista, o mentor ou o professor? A idéia de autoridade em um ambiente pulverizado transforma todos em iguais. Porém, esta também apresenta seu reverso, onde vemos o fenômeno “bolhas de autoridades” sem conteúdo, que simplesmente alcançam determinado status devido a uma lógica intrínseca ao meio. Este é outro debate.
Mas o argumento central continua inalterado: a “autoridade”, em toda suas instâncias, sofre uma seria incapacidade de penetração devido a descentralização da informação e a possibilidade de criação e ordenamento autonomos. O que importa é que a internet muda as relações que temos com conteúdo e idéias: se antes esperava-se a “autoridade” informar definir e esquadrinhar o que era relevante, bom e correto (e esta autoridade tinha esse poder por ter a informação, cultura e acesso), no mundo de hoje, o acesso e a informação são de todos. Sendo assim, não se precisa mais da “autoridades”, “criticos”ou mesmo “líderes”. Eu não ouço mais rádio comum, onde discjockeys escolhem o que vamos ouvir; as rádios online se adequam ao meu gosto. Lastfm, blip e o gethighnow.com estão aí, fora as ferramentas de RSS, e agora o Twitter, que dá a possibilidade de eu “seguir” coisas do meu interesse para que estas informações venham a mim. A cultura, fator relevante que foi colocado fora da equação perde importância com as ferramentas de busca: sendo a informação múltipla, instrumentos de filtragem permitem, com relativo sucesso, chegar-se ao objetivo proposto, com razoável nível de eficácia.
A outra razão é prima-irmã desta primeira, seu complemento e oposto. Havendo a quase-impossibilidade da criação de uma relação de autoridade nos moldes como apontamos aqui, o que é capaz de convergir para a criação de conhecimento? Como podemos superar a sedução da super-informação e nos ater a temas que mereçam especial atenção? Só uma quantidade absurda de grana e mídia é capaz hoje de criar audiência para algo específico. Mas mesmo esta grana já não parece mais suficiente: passamos cada vez menos tempo diante da televisão, nos apegamos as coisas de maneira cada vez mais superficial e o mundo torna-se cada vez mais rápido e dinâmico. Somos uma sociedade icônica, formada e ordenada por ícones. Mas quem tem todos, não tem nenhum. Michael Jackson foi o Rei do Pop. Provavelmente o último. Quem pode hegemonizar tanto a atenção em um mundo como o nosso? A indústria pop e o cinema estão se reinventando, e se esta indústria não é mais capaz de criar um super-astro, quem pode? Esta perspectiva a principio parece mais que positiva, mas ao mesmo tempo, dá espaço para uma eterna e indivisível mediocridade. Podemos nos acostumar com o pouco, com o raso.
Essa saturação cria um ambiente onde simplesmente a letargia torna-se uma profecia auto-realizável. Se é impossível a relação de “autoridade” nos termos colocados aqui, é também factível o marasmo da superficialidade, que cria apenas espelhos d'água. Ou seja, cada vez mais a idéia da aparência é a tônica, visto que superá-la torna-se dispensável, ou melhor, perigoso. Num mundo que cabe em 140 caracteres, se alongar pode ser uma espécie de suicídio intelectual. Em que medida a superação da noção de autoridade não está também acabando com a idéia da paciência, da minúcia e da atenção? Ao mesmo tempo em que destruímos o deus da “autoridade”, parece que destruímos também nossa capacidade de superar o que a principio não nos seduz, não nos entorpece não nos dá prazer. A idéia de ludismo, da facilidade, aparecem como nosso denominador comum: o que não me traz o que busco de maneira imediata, está fora. O ato de aprender, neste sentido, se torna quase pífio. O prazer contido ali é outro: existe mas está nas entrelinhas. E sendo assim, o mundo, em suas profundas desigualdades, continua fechado, e fadado a uma reprodução que se sustenta pela inércia.
O anacronismo de “A Onda” esta no fato de sermos agora uma sociedade sem líderes, e sem propósito. A idéia de algo que nos torne um, que aponte um caminho foi dinamitada da nossa mentalidade. Porém, ao mesmo tempo, nosso referêncial perdeu-se numa teia infinita e nossos parâmetros parecem nos levar a um processo cada vez maior de alienação. Superá-la requer suor. E quem está disposto a isto agora? Para o bem e para o mal, a idéia da massificação é passado. Assim como o sonho Hippie, esta tudo terminando como em Altmont.
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