9/14/2009

O Nulo Manifesto da 23 de Maio


No último domingo, 13 de setembro, um grupo de 150 grafiteiros tomou parte da Avenida 23 de Maio e cobriu cerca de um quilômetro dos muros de ambos os lados da via. Segundo o email enviado aos participantes do "Manifesto", aquela ação era para todos aqueles que "estão cansados de ver sonhos e atitude(!?) sendo diariamente cobertos de cinza". Segundo a reportagem da Folha Online, 9 integrantes do grupo foram detidos e liberados posteriormente. A notícia soa como mais do mesmo, já que manifestações pela liberdade artística desses grupos tornaram-se freqüentes, sempre com alguma ideologia rasa e de aplicabilidade nula.

A Street Art brasileira, em especial a cena paulistana, notadamente a maior no país, tem grande valor no principal aspecto em que se deve ser observada uma obra de arte. Há um desenvolvimento estético grandioso, ao se atingir resultados gráficos belíssimos num suporte pouco convencional como as ruas da cidade. Os artistas que atingem esse patamar, que saem da mediocridade, logo são percebidos, adotados e divulgados por novas galerias de street art ou Marchands espertinhos, tentando vendê-los à galerias euro-americanas como representantes da vida-lôca (sic) das periferias subdesenvolvidas. Os rapazes, em geral de origem humilde, vêem a oportunidade de começar a ganhar dinheiro em algo com que sempre sonharam: desenhar. Acertadamente, começam a publicar seus trabalhos pelo mundo, seja através dessas galerias, seja através de marchands, seja por sua busca e esforço pessoal.

Dentro da história da arte, (quase) sempre tiveram destaque àqueles que buscaram desenvolvimento técnico e conceitual. Sempre com base no desenho, a pintura percorreu estilos e meios extremamente opostos, criando novas possibilidades a partir da REAL intenção de se atingir um novo patamar na arte, sugerindo assim a libertação de certa escola ou estilo anterior. E assim, gradativamente, desenvolvem-se os grandes pintores e ilustradores da história. Aos poucos, com muito trabalho e vontade de fazer bem feito. É também o que têm feito conhecidos Street Artists brasileiros, como OsGemeos, Nunca, Titi Freak e seu irmão Whip, entre tantos outros.

Segundo a reportagem, um dos manifestantes informou que a manifestação tinha o intuito de "levar arte à população, que não costuma ir a galerias". A frase mostra a fraqueza de um recurso ideológico usado pra sustentar a pretensiosa ação: estes, enquanto tribo urbana, pretendem usar a rua, suporte público, para que as pessoas vejam o que eles mesmos consideram como arte. Não há benevolência com aqueles que não podem ir ao MASP por grana ou distância. É divulgação do próprio trabalho (de caráter estético EXTREMAMENTE questionável) de maneira gratuita. Na mesma reportagem, o grafiteiro Pato toca no exato ponto em que a contemporaneidade se omite para abraçar a todos: "Há uma grande poluição com trabalhos mal feitos por aí".



Obviamente, a enorme maioria dos grafites espalhados por São Paulo são ruins. As pessoas pegam latas e saem grafitando. Não existe estudo, não se busca algo. O que aconteceu, na verdade, foi que a Street Art deixou de crescer como movimento estético/conceitual pra se transformar em mais um produto de cultura massiva. Galerias permeadas de burguezetes tatuados(as), adolescentes travestidos de American Pimp, ou Pin-Ups forçando na gostozice (as maria-latas). Meia hora de caminhada pela Augusta e eles se multiplicam. Street Art hoje é um rolê. Há algum glamour nisso. É uma tribo urbana com bases sólidas, instituída para dar lucro às Nikes e Adidas da vida. E, como em toda tribo urbana, o olhar para os de dentro é cada vez maior. O foco é o sucesso interno, é o destaque no nicho. Como diz Michel Maffesoli, em seu O Tempo das Tribos, "(...) o que está em jogo é a potência contra o poder, mesmo que aquela não possa avançar senão mascarada para não ser esmagada por este".

Observando-se o Flickr de Angelo Dias, fotógrafo que cobriu a ação, nota-se a presença de poucos daqueles que condizem com a realidade social de uma das pixações (100% favela). A burguesia intelectualóide(!) também quis inserir-se no rolê da Street Art. Todos pregando a liberdade de SUA arte e igualdade ao irmão da perifa, sem nunca esquecer de fechar o vidro do carro no semáforo, pra não ter o iPhone tomado e nem precisar dar grana pro pivete sujo. No final, todos voltam à natureza humana, onde o meu bem estar vêm à frente do bem estar alheio. O que vale é ter lata na mão, Dunk no pé, braço fechado e atitude. Desenhar bem é detalhe.

Existe interesse real na arte entre estes que levantam bandeira da liberdade de expressão artística? Não creio. Talvez poucos saibam de Basquiat e Haring, menos ainda de Lichtenstein e quase nenhum de Tzara e Arp. Mas na arte contemporânea não é necessário olhar para o passado. A arte contemporânea aboliu o questionamento do que é ou não é arte. Hoje tudo vale. A expressão está acima do talento, mesmo que ela parta das cabeças mais medíocres. Não se pode vetar, o "desenvolvimento" artístico é livre. Enquanto isso, o Liceu de Artes carioca não tem professores de arte que saibam desenhar(!), já que isso não condiz com a atual estrutura do mercado da arte.

E assim, os Street Artists de pouco talento vão continuar fazendo barulho com ações de vandalismo, tentando impor sua arte às pessoas sob o pretexto de "mudar o cinza da cidade". Eu gosto desse cinza.

Fotos: Angelo Dias

PS: Essa é uma crítica pessoal, e não necessariamente representa o pensamento do corpo editorial da Revista APES. Manifestações de ódio, desprezo, concordância ou apoio podem ser enviadas para nosso email revistaapes@gmail.com.

6 comentários:

  1. Cara, perfeito o texto, a linha de raciocínio praticamente foi furtada do meu pensar......que bom ver a visão certa com as palavras certas.....

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  2. nossa, numa boa: nunca li algo tão raso e ao mesmo tempo pretensamente contestador como este.

    Primeiro, que pelos poucos apontamentos onde tenta mostrar conhecimento do assunto tratado, só peida na farofa. Tal qual jornalões quando tratam de subculturas ou escrevem sobre manifestações culturais destes nichos. Ensina o bom senso: é necessário um pouco de paixão pelo objeto tratado para chegar ao cerne do problema. O texto entrecorta visões rasas e acintuosamente conservadoras em relação ao que o autor vê como ARTE - aqui, um amontoado de consideraçòes rasas e metafísicas.

    Desenhar bem? Hoje tudo é válido na arte? Acho que antes de se meter a falar sobre arte urbana, tá na hora de estudar um pouco de ARTE mesmo. É possível e necessário vársios apontamentos críticos sobre tal fenômeno, mas criar uma pretensa crítica baseada em preconceitos, equívocos e reacionarismo não vai levar a lugar algum

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  3. Passei o dia inteiro pensando em algo pra rebater este texto. Mas percebi que o Arthur aqui em cima, passou seu recado.
    "Observando-se o Flickr da ação, nota-se a presença de poucos daqueles que condizem com a realidade social de uma das pixações (100% favela). A burguesia intelectualóide(!) também quis inserir-se no rolê da Street Art." Vocês generalizaram graffiti e pixação; e como se isso fosse expressão de uma classe. Essa história de "burguesia intelectualizada" virou clichê, coisa de piqueteiro comunista da Universidade de São Paulo. O pior foi vocês informarem que o Flickr do fotógrafo é o Flickr do Manifesto e ainda por cima colocar o link do meu blog para o Convite, que recebemos, e divulgar como se tivesse algum acesso ao material. É nessas horas que repenso no tal diploma de Jornalista, apuração é tudo e aqui ela foi zero. Continuem com o blog, mas dêm os devidos créditos, sejam parceiros, não pretensos "contras da contra-cultura", as menininhas podem curtir mais!

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  4. Caro Renato Eugênio,

    Meu nome é Thiago Zati, e sou um dos autores deste blog. Em nome do coletivo de cabeças aqui, lhe indico que vamos explicitar que a fonte do convite à manifestação não tem relação com a ação em sí. O mesmo será feito com o fotógrafo, que, infantilmente não foi creditado nas fotos.

    Mas, vendo seu blog, percebi que a maior parte de suas fotos tb não são citadas ou creditadas, ou seja: é um erro que cometemos, pq a idéia de apropriação pública das fontes da internet é uma das coisas que a faz existir enquanto tal. Aí me pergunto: o problema com os créditos está com o fato de nosso blog publicar uma opinião divergente da sua (que na própria Apes não apresenta uníssono), ou por questões de direito intelectual? É só uma pergunta.

    E também uma discordância: apurar é consequência. Opinião é tudo.

    Agradeço as colocações e apontamenos.

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  5. verdadeiro ataque a 23:
    http://www.flickr.com/photos/enoronesp/3919692943/

    o artista contemporaneo que nao entende de historia da arte, nunca vai conseguir ir muito longe.. o artista pode acabar indo pra dois lados... comercial futil, os gemeos por exemplo, ou contemporaneo conceitual, ZEVS por exemplo

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  6. Legal o texto, concordo com tudo! Pelo pouco que li, me parece que vc entende um pouco de street art e arte, e tem uma visão bem crítica quando aos rumos que elas (inevitavelmente) tomaram.

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