10/22/2009

Como aprendi a deixar de me preocupar e passei a odiar a Mostra


Outubro. De novo. 33. Mostra Internacional de Cinema. Sim, ela começou hoje. Mas, eu tinha umas palavrinhas ensaiadas. Posso?

Eu não nasci odiando a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Pelo contrário. Fui a muitas edições da Mostra. Lá pude conhecer os filmes do Oriente Médio (Gosto de Cereja de Abbas Kiarostami é um dos que mais me marcaram), lá experimentei a falta de ortdoxia de Guy Maddin. Conhecei Sukurov e sua arca. E tive uma das minhas experiências mais catárticas com uma obra de arte: Tempos de Lobo, de Michel Haneke.

Acontece que a Mostra não é mais um espaço onde aqueles que apreciam o cinema podem se reunir e ter acesso a filmes que nunca (ou quase nunca) seriam exibidos em circuito comercial. A Mostra de Cinema de São Paulo perdeu se caráter de promover acesso. Hoje, ela é um mastodonte que ocupa 25 salas de cinema e onde são exibidos mais de 420 filmes.

A Mostra ter aumentado de tamanho não é em si um problema. Não sou romântico. Não acho que os grandes filmes devam ser apreciado apenas nos cineclubes, onde apenas 4 fulanos pagam a entrada para ver o “obscuro filme daquele diretor turco”. O crescimento da Mostra é fator positivo para a produção e acesso de filmes no Brasil. O que mudou porém é o significado social que a Mostra adquiriu. Ela virou um role. É legal ir a mostra, simplesmente porque... bem, é legal ir a Mostra.

Em quinze minutos de passeio pela Augusta, nós vamos ver o tipo: ali. O cara comprou todo o “merchan” disponível na central. Acordou cedo e garantiu seu pacote de 40 ingressos. Leva a tiracolo o guia da Mostra e o da Folha. Usa um caderninho, e no fim das sessões, dá notas aos filmes e marca um grande “X” naquele que acabou de ver. Nas filas, sempre está sozinho. Quando não está sozinho, está contando vantagem dos filmes que já viu antes de “todo mundo” para seus pares. Sim, o clima é de competição. Quase sempre usa camisetas de Mostras antigas - de 1994, 1997, 2000 – para mostrar sua assiduidade. Nos dias de buscar o ingresso das sessões mais concorridas, acorda as 5:00 da manhã e está na Paulista às 6:00. Esse grupo tomou de assalto a Mostra.

Antes, essa praga das transformações e reaproximações do capitalismo eram minoria. Eram. Hoje, são ampla maioria. Em maior ou menor medida, os Tietes da Mostra são onipresentes. Em 2007 tentei ir em alguns filmes. Havia limado da minha lista aqueles filmes que iam estrear, e também, aqueles que haviam ganhado prêmios. Assim, sobraram uma dúzia de filmes que queria ver. Não tive sucesso em nenhum. Todas as sessões lotadas. Todas. Sem exceção.

Ir a Mostra de Cinema de São Paulo hoje é para ver e ser visto. O cinema virou segundo plano. Cabe agora o rancor por ter visto um evento tão interessante ser assim tomado. Mas é. O inescapável.

Mas a Mostra é assim: agora eu adoro odiá-la.

4 comentários:

  1. não dá pra generalizar assim dessa forma, cara.
    concordo que a Mostra atualmente seja um "role"
    pra muitas pessoas. mas não para todos que vão até lá. esse crescimento e ascenção são reflexo do mundo em que vivemos hoje em dia onde tudo é mais divulgado, onde (quase) todo mundo tem acesso a (quase) tudo que está acontecendo por aí afora.
    esse blog é um exemplo disso. eu nunca teria vindo até aqui e lido esse posto se não tivesse visto um post no twitter sobre ele.
    e o twitter é só um dos muitos de meios de divulgação que existem atualmente.

    eu penso que isso deve ser pensado de uma maneira positiva. tem muito mais gente apreciando cinema, conhecendo formas diferentes de fazer filmes e descobrindo esse mundo.
    apesar de todos esses que vão só pra pagar de intelecto, tem muita gente que vai pra aproveitar e pra acrescentar algo à esse universo.

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  2. Eu ia perguntar se mesmo assim não valia a pena ir. E no final entendi. Eu não vou há dois anos e espero não ficar frustrada com as salas de cinema lotadas. Mas talvez você tenha razão.

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  3. Tenho a mesma impressão! O que caracterizava este tipo de iniciativa era justamente a possibilidade de não existir público suficiente, o que iniviabilizaria a distribuição dos filmes pelas salas de cinema, mas hoje percebo que é mais um nicho de consumo para a elite intelectualizada com ares de burguesia! tenho preguiça...

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  4. Tenho a mesma opinião. Não vou à Mostra já faz uns dois anos, por preguiça de filas gigantescas, de gente que está lá pra ser visto na Mostra e não pelo filme em si. Essa competição de um se mostrar "mais cinéfilo que o outro" me cansa, não tenho paciência pra isso. Prefiro ver os filmes quando eles entrarem em cartaz em circuito comercial. Ou saírem em DVD. Ou sair o DVD na gringa e comprar de lá mesmo, caso não sejam lançados no Brasil, o que é comum, infelizmente.

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