1/04/2010

Caim e a gênesis das luzes.

“No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores.”
(Theodor. W. Adorno, Conceito de Esclarecimento).

Esta citação do filósofo Frankfurtiano Theodor W. Adorno, foi a primeira coisa que me veio a cabeça ao terminar de ler Caim, novo livro do fabuloso escritor português José Saramago, talvez o maior escritor em língua portuguesa vivo. Muitos estão se perguntando agora, o que um escritor português ainda vivo, pode ter a ver com um filósofo alemão já morto e que viveu na primeira metade do século XX ? Talvez nada ou talvez tudo, mas eu me arrisco a dizer que o Caim apresentado por Saramago poderia ser o protótipo deste homem iluminado que a filosofia ocidental vem construindo deste o século XVIII, e que era a esperança de um mundo onde o misticismo, as crendices e as religiões não fossem o norte da humanidade.


Todos nós conhecemos Caim, o personagem bíblico que aprendemos a odiar por ser um traidor que matou o próprio irmão Abel por inveja, pois o senhor Deus, preferiu as oferendas deste. Caim e o Senhor travam uma batalha argumentativa na qual Caim é condenado a vagar pelo mundo para sempre, como um errante, e o senhor Deus o faz uma marca na testa para que ninguém o mate. Mas para Saramago nem Caim e nem o velho testamento tem o mesmo sentido. Se Adão e Eva, os primeiros seres humanos no mundo, escolheram o fruto do conhecimento e todas as suas consequências, ao invés do sossego da ignorância e por isso foram condenados, e nos condenaram a todas as lastimas que nós seres humanos sofremos hoje, é porque a escolha pelo conhecimento pareceu a eles mais atrativa do que a submissão e a promessa de tranqüilidade na ignorância que o senhor Deus propunha, pois este já sabia que o conhecimento é muito perigoso. E na obra de Saramago, Caim foi o escolhido para carregar este conhecimento em tempos de total ignorância e totalitarismo divino.


A jornada de Caim inicia logo após sua sentença dada pelo senhor Deus. Caim vai vagar pelo mundo, pelo deserto, mas não só no espaço, mas também através do tempo. O assassino do próprio irmão vaga através de diferentes presentes e encontra diferentes personagens, muitos deles seus próprios descendentes. De Abraão a Job, passando por Moisés e Noé e alguns dos grandes acontecimentos bíblicos, a torre de babel, Sodoma e Gomorra e as paredes de Jericó, Caim vai se aventurando e desvendando os mistérios da vida humana, com uma enfasê especial para as primeiras experiências sexuais com o seu primeiro amor Lilith e depois com outras personagens. A missão de Caim é ser a consciência inexistente de Deus, o todo poderoso que manda matar inocentes e destrói gerações inteiras para satisfazer seus caprichos de perfeição. Caim é aquele que questiona o ignorante Abraão que quase tirou a vida de seu próprio filho Isaac, para provar sua devoção ao senhor. Caim se mostra como o portador da luz, em tempos de escuridão. O seu amor a Deus que anteriormente havia sido representado em forma de oferendas vegetais, vai gradualmente se transformando em ódio e desprezo, a medida em que o assassino impiedoso vai conhecendo a personalidade do senhor. É neste momento, no momento final que Caim se transforma em senhor de si mesmo, é quando ele se liberta do medo e assume sua posição crítica no mundo. Quantos assassinos como este precisaríamos para concretizar o sonho dos iluministas? Talvez Saramago tenha nos dado a resposta, talvez não.

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