2/27/2010

A insustentável leveza do ser - Milan Kundera

Leituras no ônibus a caminho do trabalho...

Anos atrás o walkman foi meu fiel parceiro no trâmite pela cidade. Eu morava longe, e tinha o delicioso prazer de usar as antigas mídias analógicas em meu dia a dia. Comprava livros usados e também lp´s de segunda mão . Passava no mercado e comprava fitas k-7 no atacado. Nos fins de semana ou a noite, com um fone ligado ao som para não incomodar meus pais e irmãos ia gravando os discos, esparramado no sofá viajando nas capas, nas letras, as vezes traduzindo porcamente com um mini-dicionário. E isso foi um grande pedaço de minha existência, onde uma porção de filme imaginários meus, passavam diante de meus olhos, com minha trilha sonora escolhida, ecoando no ouvido, com as imagens da cidade passando pela janela do ônibus. Eu era jovem, o mundo era velho e eu começava a desenvolver interesse no hardcore. Esse meio me ajudou muito, pois tinha uma “cobrança” de se ler muito. E eu lia. Não com muito critério, e meio tudo ao mesmo tempo. De quadrinhos, a romances, filosofia, best seller porcaria, clássico reconhecido... Muito, muito muito. Entre eles autores que naquele período impressionavam muito mais pela forma e fama, do que por eu ter entendido algo de suas idéias...

Ai entra Milan Kundera. Em uma porção de lugares que frequentava , A insustentável leveza do ser estava presente, meio que se convidando para ser lida por mim. E eu não resisti, e isso fiz sem pudor, como as personagens do livro. A história trata da relação de quatro personagens principais. Tomas, Sabina, Tereza e Franz. Tendo um viés filosófico que amarra as idéias e a condução da trama, o livro trata do amor, da liberdade, da existência do ser diante da adversidade e do sentimento. Qualquer autor poderia se amparar no recurso de contar historias de amor e relação em qualquer lugar. Mas Kundera fez mais. Ele situa sua historia em fluxos temporais diversos, conectando a vida dos atores do romance a emblemáticos momentos da antiga Tchecoeslováquia. A Primavera de Praga, a ocupação soviética, a delação, a negação, o medo, a ansiedade, tudo sem ser cenário, muito mais que contexto.

Quando garoto, eu não entendia direito o que rolava nesse país de nome estranho, muito menos nessa cidade com nome de coisa ruim. E quando mergulhei no universo do punk-hardcore, tudo que era denominado de “esquerda” era aceitável. Tudo que fosse, vermelho ou preto apontava para um mundo justo, guardados os limites da minha ingenuidade e tosquice. Mas a gente amadurece, cresce, lê outras coisas. Um dia um grande amigo me presenteou com “O arquipélago Gulag” de Alexander Soljentsin e as coisas começaram a ser mais complexas, com mais ou menos (ou nenhum) sentido.


Dessa forma, reler A insustentável leveza do ser com mais maturidade toma outro sentido. Com mais empolgação ou menos deslumbramento, a história torna-se real fruto de um tempo, contando com muita força nas áreas que se atêm a navegar. Seja filosoficamente, no plano do romance, ou da crítica política. Por outro lado, lembremos que o muro na Alemanha teve seu aniversário comemorado. Que as guerras sangrentas tem suas datas de calendário, mas o que tombam nesses conflitos, os anônimos, o ordinários da multidão só são lembrados, naqueles corações que ficam vazios e sentem sua falta.

2 comentários:

  1. Como o pequeno principe é um livro para adultos.
    Talvez não tenha sido o caminho certo, mas guardo todos os grandes livros, "os indicados, para outros momentos da vida.
    Talvez encare o Kundera pela re-re sugestão.

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  2. "(...)E quando mergulhei no universo do punk-hardcore, tudo que era denominado de “esquerda” era aceitável. Tudo que fosse, vermelho ou preto apontava para um mundo justo..."

    Seu relato se confunde muito com o meu, e com muitos outros que tiveram essa relação com o punk-hardcore... Os dicos, livros, a cobrança em ter referência para falar sobre política, música, cultura e subversão...

    Outra coisa: é engraçado como o significado de alguns livros mudam totalmente na nossas releituras após algum tempo, com a maturidade. E acredito que se você reler Kundera com seus 50 e poucos anos terá uma outra interpretação bem diferente.

    Ainda não li "A insustentável leveza do ser" mas tive ótimas referências sobre e ele está na minha lista desse ano.

    Parabéns pela resenha!

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