3/07/2010

Vivendo pelo café, morrendo com estilo (Parte 2).


Ele levantou-se, foi até o balcão, Tremia. Olhou para a atendente que já lhe era familiar e disse:

- Por favor outro café!
- Claro senhor, com leite ou puro?
- Puro e pouco açucar, por favor.
- Ok, pode ficar a vontade que a garçonete já irá servir-lhe.

Ele voltou para a mesa com passos lentos, descompassados, desalinhados, torcendo para que ela tivesse saído pela porta no momento em que ele levantou, ao mesmo tempo em que torcia para que ela estivesse lá do modo como a havia deixado instantes antes de se levantar.
Chegou perto da mesa e lá estava ela, brincando com os guardanapos e os canudos.
Ele aproximou-se, parou em pé ao lado da mesa, sem olhar para os olhos dela, ela levantou a cabeça, olhou para ele e disse:

- Não vai se sentar?
- Sim, sim, estou me preparando.
- Se preparando para sentar?
- Isso.
- Deixa eu te ensinar: Primeiramente você arruma a cadeira, coloque-a em uma posição confortável, depois você vai abaixando os quadris suavemente até eles tocarem a cadeira. Pronto! Está sentado!
- Como você é engraçada. Vai fazer piada de mim agora?
- Claro que não, só estou querendo quebrar a tensão, você é sempre tão tenso e leva as coisas muito a sério.
- Você ouviu o que eu disse a pouco?
- Sim ouvi, me pareceu estranho vindo de você mas enfim...
- Enfim, o que?
- Cara, você é esquisito. Nunca sabe o que quer, não tem perspectivas, se distância de tudo e de todos, mesmo quando estávamos juntos você nunca estava lá realmente, seu mundo é a parte. Tem um puta potencial e fica ai desperdiçando com esses seus amigos bêbados, perdedores, que só te afundam cada vez mais no nada em que sua vida se transformou.
- E o que isso tem a ver com o fato de eu te amar?
- Que merda de amor é esse? Você nem sabe do que está falando, nunca acreditou no amor.
- E ainda não acredito, amor é construção social, Tristão e Isolda são uma farsa, Romeu e Julieta se resume à sexo!
- E com que moral você vem até mim e diz que me ama?

A garçonete se aproxima da mesa:

- Com licença senhor, aqui está o seu café.
- Obrigado.
- Deseja mais alguma coisa?
- Sim uma arma carregada. Ele diz.

A garçonete esboça um sorriso e se afasta.

- Porque você diz essas coisas hein?
- Só estava brincando com ela, transformando a nossa relação em algo mais íntimo. Afinal ela me serviu o café.
- Que modo estranho de se ficar íntimo das pessoas.
- Somos todos íntimos na morte.
- Nem quero ouvir o resto, deixa pra lá!
- Não vai tomar mais nada?
- Não, já estou indo embora.
- E nós?
- Querido, não existe mais nós. Acho que na verdade nunca existiu. Existe eu e você.
- O que o seu namorado faz?
- Não te interessa!
- Ele trepa bem?
- Você acha que eu vou mesmo te responder esta pergunta, ou está perguntando só para me provocar?
- Só para te provocar.
- Imaginei.
- Você não quer falar comigo, não é mesmo?
- Não é isso, é que eu não posso falar contigo, como se nada tivesse acontecido. Você fez um estrago tremendo na minha vida e nem se importou com isso, não foi fácil!
- Claro que eu me importei. Tanto me importei que fiz o que fiz.

Ele deu uma enorme golada no café, e continuou:

- Olha, não foi fácil, você sempre soube o quando eu sou ruim com as escolhas, o quanto complico as coisas simples e como sempre me fodo no fim. Nunca faria algo que te magoasse propositalmente, mas nós mentimos. Eu menti para você e você para mim, nos enfiamos em um emaranhado sem perceber e quando nos demos conta e tentamos nos soltar, era tarde demais.
- É nisso você tem razão. Mas não te dá o direito de vir até mim depois de 6 meses, dizendo que me ama.
- Veja bem, eu não sei o que é o amor. Na verdade quero se foda! Só sei que você faz falta, só constato o que é empírico, mesmo sabendo que meus sentidos podem me enganar.
É uma coisa de filha-da-puta mesmo, sabe? Quanto mais te vejo feliz, mais eu fico triste por saber que o motivo desta felicidade não está relacionado a mim. Sim, posso ser um escroto e dormir bem sabendo disso, aceito todas as minhas características humanas. Não nego nada, pois "Nada do que é humano me é estranho".
- E é desta forma que você quer que eu te ame?
- O que você espera? Viver em um mundo de ilusão, onde as pessoas são sempre boas e nada de mal acontece?
- Mas quem ama protege, não?
- Sim, eu te protejo de tudo e de todos, menos de mim mesmo.
- E você é o mal que eu mais temo. Disse ela com um tom desiludido.

Ele esbarrou na xícara e derrubou o café. Fez um sinal para a garçonete. Ela veio atendê-lo.
Ela disse sorrindo suavemente:

- Quer a arma agora senhor?
- Ainda não, mas gostaria de mais um pouco de café. Disse ele sorrindo.
- Ok!

A garçonete foi buscar mais café.

- E não é que funcionou. Disse ela.
- Sim, sempre funciona.
- Preciso ir agora, terminamos essa conversa uma outra hora.
- Acho que não!
- Porque não?!?
- A arma...
- Que brincadeira idiota!
- Pode não ser brincadeira.
- Não vivemos para isso.
- E para que vivemos?
- Para fugir disso, como no filme do Bergman.
- E vivemos para aproveitar a vida, uma hora o "aproveitar" acaba e cessamos de viver.

Ela levantou-se, vestiu a jaqueta jeans e disse:

- Vou fingir que não ouvi isso, se cuida!
- Você também.

Ele aguardou ela sair, viu-a atravessando a rua e pegando um táxi. Levantou-se, tirou uma nota de R$ 20,00 do bolso da calça, colocou-a sobre a mesa e foi embora.
A garçonete vinha com a xícara de café, ao vê-lo saindo suas pernas tremeram, tropeçou e caiu no meio da cafeteria. A xícara espatifou-se ao chão, o café caiu e sem querer ela chorou.

3 comentários:

  1. Viny, ótimo diálogo! Parabéns! Talvez eu seja suspeita para falar, afinal o texto fala sobre uma situação um pouco parecida com o que eu vivi nesses últimos tempos, mas você trabalhou os detalhes e transformo o diálogo em algo sensível e real, bem real. Beijooss!

    PS.: Eu ia no show do Deriva, mas quebrei o pé no sábado!Hahahahahaha zica!

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  2. Beleza de diálogo, Vinas. Vc soube dar um aspecto muito real, quase posso sentir o cheiro do café e a tensão entre os dois. É incrível (risos).
    PARABÉNS e que se cuide José de Alencar!

    PS.: A Andressa quebrou o é de propósito para não ir ao show do Deriva, é isso ou ela é muito zicada (risos) beijo

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  3. Eu sou zicada, Jess! hahahahahaha

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