3/04/2010

Vivendo pelo café, morrendo com estilo (Parte 1).


Encontraram-se depois de um bom tempo sem contato algum, em um café nas redondezas da avenida paulista. Lugar onde os pós-modernos precários, artistas frustrados, pseudo-intelectuais de orelha de livro, vadios travestidos de boêmios de forma saudosista e putas, muitas putas, se escondem.
Se olharam fixamente, como se estivessem um procurando no outro o que deixaram para trás naquela noite. Ele andou ao redor dela, como um cão que avista e tenta identificar um outro ser da mesma espécie, parou em frente à ela e esboçou um sorriso. Como sempre ela foi mais rápida, sorriu primeiro e disse:

- Está orgulhoso de mim? De como eu estou superando a fase "você"?
- E porque eu deveria estar?
- É verdade, isto não deve fazer bem ao seu ego, não é mesmo?
- Pouco me importa.
- Sei...sei...E como você está?
- Vivendo num eterno final de semana.
- Isso é bom!
- Depende, depende muito.
- Depende do que oras? Final de semana, ócio, vida, você vivia fazendo apologia à isso.
- O importante não é ter vida, e sim a forma como se conduz essa vida. E você sabe como todo término de final de semana é melancólico né! Domingos a noite são sempre trágicos.

A garçonete os interrompeu perguntando sobre os pedidos. Ele pediu um café com creme e ela pediu um leite gelado com chocolate.

- Você ainda toma muito café? disse ela.
- Sim, sim. Vivendo pelo café, morrendo com estilo.
- Esse é o seu slogan? Ridículo!
- Eu sou ridículo, vivo de forma ridícula, odeio de forma ridícula e amo tudo isso mais ridículamente ainda.
- Isto é uma introdução "aquele" assunto?
- Porra nenhuma, assunto morto e enterrado.
- Afinal de contas, porque me chamou aqui então?
- Na verdade não sei, queria te ver, só isso.
- Só isso?
- Você pergunta demais e vive de menos.
- O que você espera? O que você quer? Fala em viver, viver, mas não faz nada pela sua vida.
- E o seu namorado como está?
- Não muda de assunto.
- Me disseram que ele é um idiota.
- Todos os homens são idiotas pra você, exceto você mesmo, não é?
- A mais pura verdade. Narciso acha feio aquilo que não é espelho.

A garçonete os interrompeu novamente, trazendo os pedidos.

- E o seu namorado?
- Está obcecado nele hein! Essa sua velha mania de se comparar com os outros...
- Sempre no comparamos, eu, você, qualquer um. Queremos nos sobressair no meio da multidão. Olhamos os outros, observamos e vemos o quanto somos melhores e o quanto somos piores.
- Então você quer ser o melhor?
- E você não? Quero ser o melhor que eu puder ser, e sei que posso ser.
- Acho que somos todos iguais.
- Pronto! lá vem você com esse seu papo neo-humanista!
- É sério, não quero ser melhor que ninguém, quero apenas ser eu mesma.
- E você sabe quem você é?
- Tento me descobrir a cada dia.
- E se você se descobrir um lixo?
- Isso não vai acontecer.
- Como você pode ter tanta certeza?

Ela parou, deu uma golada no chocolate e disse:

- Olha, não tenho certeza de nada, mas sei que não sou um lixo!
- Você é melhor que isso né?
- Claro, claro que sim.
- Você é melhor que aquela menina sentada na mesa do canto, usando óculos vermelhos, vestido preto, sapato preto e branco e lendo a revista cultural da moda?
- Não sei, não conheço ela. Mas acredito que sejamos iguais.
- Iguais onde? Você acabou de dizer que nem a conhece. Mas a sua primeira impressão a respeito dela eu sei que não foi boa. Você sempre odiou sapatos bicolores. Você nunca usaria aquele sapato, acha brega, você não é brega, você tem estilo é diferente!
- Isso é verdade, mas não quer dizer que eu me ache melhor que ela.
- Como não, acabei de simular todo um julgamento a respeito de uma pessoa, tomando como ponto de partida o sapato que ela está usando e você concordou.
- Mas é uma questão de gosto pessoal.
- Não, não é. Para você achar ela brega, obrigatoriamente você está usando uma pessoa não-brega como referência, no caso você mesma, isso já faz de você um pouco melhor.
- Puta papo chato! Você não se contenta em simplificar as coisas né?
- Você sempre me achou chato. Disse ele.
- Pretencioso também.
- E arrogante.
- Mal educado!
- Ainda te amo!

A cidade para. Um silêncio profundo toma as ruas. O café esfria.

(Continua...)

2 comentários:

  1. Viny, eu precisava ler um texto assim, não sei pq mas precisava. Parabéns, ficou ÓTIMO. Estou esperando pelos 'próximos capítulos'. Beijos

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  2. Concordo com a pessoa acima. Ficou ótimo e estou esperando a continuação!

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