9/18/2009

Ler e escrever a língua de Camões

Incrível, o índice de analfabetismo no Brasil recuou 0,1% entre 2007 e 2008, isso segundo o tal do IBGE, mas eu só posso me considerar analfabeto se não souber ler ou escreve um bilhete simples, senão sou de outra categoria, analfabeto funcional, mas peraí, nesse caso eu tenho que ter mais de 15 anos e ter freqüentado apenas quatro anos de estudos, coisa estranha, Dona Laurinda Lopes, costureira, falecida aos cinqüenta e um anos de idade, nascida no Jardim São Bernardo, zona sul da cidade de São Paulo, estudou até a quarta série do ensino fundamental e sabia ler e escrever muito bem, diga-se de passagem, no entanto, na oitava série há alunos que não sabem ler e compreender um texto simples, oquêi, qualquer índice é relativo, não podem ser lidos ao pé da irônica letra, mas quando, hoje, abri um jornaleco diário e li que o Brasil tem 14,2 milhões de analfabetos, número menor do que no último senso, estampou-se em meu rosto a pergunta: Será que as Laurindas Lopes são exceções ou os alunos das oitavas séries estão lendo Gil Vicente ou José de Alencar nas suas horas ociosas? Acredito que nem um nem outro, afinal, a língua portuguesa, ou a língua de Camões, é muito difícil, como diria Dona Benedita Camargo Lopes aos oitenta e oito anos, ao justificar sua escrita em um bilhete de recados. Calma lá, saber a escrita de uma língua, ou não a saber, não tem nada a ver com saber ou não essa língua, mas infelizmente estas estatísticas levam a maioria das pessoas a pensar dessa forma, afinal, carregamos aquele trauma causado pelas aulas de gramática, onde decorar a taxonomia gramatical é até hoje sinônimo de saber português (vide qualquer gramática normativa), mas esse já é outro problema. Voltemos então a Dona Benedita, ela não cursou muitos anos de ensino, talvez dois ou três, mal se lembra, escreve pouco e somente em determinados gêneros, como o tal bilhete de recados, sua filha, a já citada Laurinda Lopes, escrevia em diversos gêneros e em muitos casos, melhor do que muitos alunos da oitava série, mas cursou praticamente o mesmo período escolar que sua mãe, quem poderíamos, então, classificar como analfabeto, analfabeto funcional ou alfabetizado, neste caso? Talvez o IBGE saiba responder.

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